sexta-feira, 21 de novembro de 2008

3ª encontro de Formação Programa Além das Letras
Leitura em voz alta realizada pelo professor – finalidades

Objetivo: discutir com os formadores o que os alunos aprendem quando ouvem a leitura em voz alta realizada pelo professor.”
Conteúdo:- O que se aprende com a leitura pelo professor: linguagem escrita.

Leitura em voz alta feita pelo formador –
IMPORTANTE
Ler em voz alta exige preparação, ensaio e conhecimento minucioso do texto a ser lido. A adequação do tom de voz, o ritmo de leitura, a pronúncia das palavras e o envolvimento com o texto merecem destaque especial nessa atividade dedicada à Leitura em voz alta pelo formador. Portanto, a sugestão é que o Formador se prepare com antecedência, a fim de que sua leitura seja envolvente e convidativa. Ler diretamente do portador (livro, revista, jornal) também faz a diferença e permite que você socialize o livro, deixe que folheiem, anotem a referência, leiam pequenos trechos.


Indicação Literária
Textos para serem lidos em voz alta

Olá companheiros da Rede Além das Letras,

Em nosso último contato, tratamos da Leitura em voz alta como estratégia de formação para professores. Ainda pensando neste tema, acredito que uma das dificuldades que a grande maioria dos formadores enfrenta é a seleção de bons textos para este momento da pauta. Considerando isto, selecionei alguns títulos que tenho utilizado e os socializarei com vocês na intenção de ser uma ação disparadora da troca entre todos, que pertencemos à esta REDE de formadores.
A proposta é de que esta lista de indicações literárias circule e aumente, a fim de ser útil a todos. Procurei apresentar em alguns casos, além dos dados bibliográficos do livro, sugestões de capítulos e/ou trechos lidos/preferidos. É claro que estas sugestões foram pautadas em um critério pessoal e que com certeza outros trechos dos livros, podem e devem ser escolhidos...

Bem, então mãos à obra! Vamos fazer com que esta lista circule entre nós...

Acrescente a ela suas indicações e se possível as sugestões dos trechos que costumam ler, pois assim poderemos nos pautar nas recomendações uns dos outros e com isso ampliar o repertório literário dos professores com os quais trabalhamos...

Um abraço,
Rosinha Monsanto

Livro
Trecho/capítulo sugerido
1. Cem melhores contos brasileiros do século – Org. Ítalo Moriconi – Ed Objetiva

. “Conto de Verão n° 2 – Bandeira Branca- Luis Fernando Veríssimo
. “O homem nu” – Fernando Sabino
. “Felicidade Clandestina” – Clarice Lispector
. Baleia – Graciliano Ramos
. Feliz Ano Novo” – Ruben Fonseca
. O santo que não acreditava em Deus” – João Ubaldo Ribeiro

2. O doido da garrafa – Adriana Falcão – Ed. Planeta

. “O grande e o pequeno”
. “ Um dia de mãe”
. “Um dia de pai”
. “Mania de perseguição”
. “O doido da garrafa”

3. Asas da loucura – a extraordinária vida de Santos Dumont – Paul Hoffmann - Ed. Objetiva


. “Prólogo – Um jantar suspenso Champs Elysées, 1903” (do inicio até o final da página 11)
. “Capítulo 1 – A chegada, Minas Gerais, 1873”

4. O conselheiro come – João Ubaldo – Ed. Nova Fronteira
. “O conselheiro come - I”
. “O conselheiro come – II”
. “O conselheiro come – III”
. Grandeza e decadência da imortalidade!
. O verbo for”

5. A onda que se ergueu no mar – Ruy Castro – Companhia das Letras

. “Houve uma vez dois verões”
. “A trilha sonora de um país ideal”
. “É sal, é sol, é sul”

6. Com os pés atados - Kathryn Harrison - Ed Objetiva


. “A cadeira de enfaixar”
7. Budapeste - romance – Chico Buarque – Companhia das Letras

Trecho que explica o papel do escritor “por encomenda:
. (...) Preguiça eu não conhecia (...) - página 14
. (...)o versátil literato, baixava a cabeça e resmungava:deixa isso pra lá. (...) – página 17

8. O vendedor de estrelas - Contos – Olavo Drummond – Ed ARX


. “As peripécias de um defunto”
. “Namoro na TV”
. “O vendedor de estrelas”
9. “Antologia Poética” – Vinicius de Moraes – Cia das letras


10. Quase memória – quase romance- Carlos Heitor Cony – Cia das Letras

Leitura em duas partes do Capítulo 1:
. do inicio até o trecho (...) E o pai morrera, aos noventa e um anos, no dia 14de janeiro de 1985.(...) página 11.
. Página 11 (...) Agradeci a gentileza (...) até o final do capítulo.

11. Noites Tropicais – solos, improvisos e memórias musicais - Nelson Motta - Ed. Objetiva

. “Desde Woodstock...”
. “O grande amanhã – não teríamos eleições diretas”

12. Harém das bananeiras” – Carlos Heitor Cony – Ed. Objetiva
. “Grande cena dos tomates de Dona Balbina”
. “A casa mal assombrada”
. “A criança e o velho”
. Trem com moça e jovem de batina”

13. Minhas Mulheres e Meus Homens -Mário Prata – Editora Objetiva

. “Silvinha Buarque”
. Alberto Prata Júnior
14. Na Estrada do Anhanguera – uma visão regional da história paulista – Org. Carlos de Almeida Prado Bacellar e Lucila Reis Brioschi – EDUSP CERU


15. Contos Mínimos – Heloisa Seixas – Ed Record
. “Nunca mais”
. “Sintomas”
. “O boneco”
. “Um conto mínimo”

16. Quatro histórias de ladrão e mais 26 histórias – Paulo Mendes Campos - Ediouro
. “Uma senhora de Ipanema” (quatros histórias de ladrão)
. “O pombo enigmático”

17. Eu, Malika Oufkir, prisioneira do rei – Malika Oufkir e Michèle Fitoussi – Companhia das Letras
. “Sherazade”
. “O rei e eu”
18. Diário de um magro – Mário Prata – Ed. Globo
. “Nu”
. “Loucura”

19. Minhas tudo – incluindo sexo, drogas e rock and roll. E umas mulheres peladas. – Mario Prata – Ed. Objetiva
. “Letra”
. “Envelhescência”
. “Tese”

20. Princesa – a história real da vida das mulheres árabes por trás dos negros véus – Jean P. Sasson – Ed. Best Seller
. “Introdução”
21. Boa companhia – poesia – Vários autores – Companhia das Letras
. “um dia” – Arnaldo Antunes
. “A estrela” – Ferreira Gullar
. “A tartaruga” –Roberto Marinho de Azevedo

22. Lendas brasileiras – Câmara Cascudo – Ediouro
. “O negrinho do pastoreio”
. “A lenda da Iara”
. A morte de Zumbi”
. “Chico rei”
. “O sonho de Paraguassu”

23. Furacão Elis – Regina Echeverria – Ed. Globo
. “Prefácio à 3ª edição – O terceiro lado do disco” – Mônica Waldwogel

24. Exercício de ser criança – Manoel de Barros – Ed. Salamandra


. “O menino que carregava água na peneira”
25. “Uma noiva chique, chiquérrima, lindérrima...” Beatrice Masini e Anna Laura Cantone – Ed. Atica

. ler o texto em duas partes
26. Heróis e Guerreiros – Heloisa Prieto – Cia das letrinhas
. “As raposas da floresta”
27. “De carta em Carta” – Ana Maria Machado – Ed Salamandra


. ler o texto em duas partes
28. A professora de desenho e outras histórias – Marcelo Coelho – Companhia das Letrinhas

. “A professora de desenho”
29. Diário de Zlata . deZlata Filipóvic. Cia das Letras


30. Laila & Majnun. Jorge Zahar Editor. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro


31. Contos e lendas dos cavaleiros da Távola Redonda. Jacqueline Mirande. Cia das Letras.


32. Lendas e Mitos dos índios brasileiros. FTD


33. A menina que fez a América . Ilka Brunhile Laurito. FTD


34. A menina que descobriu o Brasil. Ilka Brunhile Laurito. FTD


35. Histórias da preta . Heloisa Pires Lima. Cia das letrinhas.


36. A guerra do fim do mundo. Mario Vargas Llosa. Cia das Letras


37. O Corcunda de Notre Dame. Victor Hugo. Cia das Letras.


38. A mulher que escreveu a Bíblia. Moacyr Scliar. Cia das Letras.


39. Contos fliminenses. Machado de Assis. L&PM Pocket.


40. República dos Argonautas . Anna Flora. Cia das Letras.


41. Olga. Fernando Morais. Cia das Letras


42. Robin Hood. Neil Philip. Cia das letras.


43. Os navegantes . Robert Sneidden. Cia das Letras.


44. O diário de Anne Frank – Ed. Record


45. Agosto - Rubem Fonseca. Cia das Letras.


46. Retratos ingleses. Charles Dickens. Ediouro.


47. A casa dos espíritos. Isabel Allende. Editora Bertrand Brasil


48. Memórias do Cárcere. Graciliano Ramos. Ed. Record


49. Viagem ao céu. Monteiro Lobato. Editora Brasiliense


50. História das invenções . Monteiro Lobato. Editora Brasiliense.


51. Viagem ao centro da Terra. Júlio Verne.


52. A volta ao mundo em oitenta dias. Júlio Verne. Cia das Letras.


53. O mensageiro das estrelas. Peter Sís. Cia das Letras.


54. Cem dias entre o céu e o mar. Amyr Klink. Cia das Letras.


55. As cidades invisíveis. Ítalo Calvino. Cia da Letras.

56. Na Patagônia. Bruce Chatwin. Cia das Letras.


57. Infância. Graciliano Ramos. Ed. Record


TEXTOS COMPLEMENTARES PARA ESTUDO DO FORMADOR

TEXTO 1

Olá, querido leitor[1]

Neste momento desta sexta-feira estou embaixo de uma enorme árvore florida, sentada em uma confortável pedra ao ar livre, situada no Vale do Pavão. São exatamente 10 horas da manhã e o céu sorri com um azul limpinho e compartilha com o sol seus raios brilhantes que me aquecem e me inspiram a relembrar de alguns fatos da minha infância, sobre os quais escreverei.

Peço que segure a curiosidade, porque me dei conta de que ainda não me apresentei a você. Então, é pra já: meu nome é Daniela (mais conhecida como Dani) e sou professora alfabetizadora. Atualmente leciono na turma de nível II (1ª série), que é minha desde o ano passado (quando eu trabalhava com CA – Classe de Alfabetização), ou seja, tenho o privilégio de acompanhar os mesmo alunos há dois anos.

Agora, sim, volto ao assunto “lembranças da minha infância”.

Recordo-me que eu era pequena, acho que devia ter mais ou menos 5 anos, e que minha mãe às vezes atendia à porta e uma felicidade me invadia. Era sempre de tarde, quando os vendedores de livros apareciam e ela os convidava a entrar e os tratava muito bem. Eu ficava olhando aqueles homens de longe. Eles entravam com caixas e mais caixas que eram colocadas no chão. Aos poucos, as caixas iam se abrindo e à minha mãe iam sendo apresentados os livros. Ela animada, conversava com os vendedores e, ao final de tudo, assinava um papel e duas caixas de livros ficavam em nossa casa. Depois que os vendedores iam embora, minha mãe me chamava e me mostrava as caixas, enquanto dizia:

“Daniela, olha isso aqui. Estes livros a mãe comprou para você. Quando você quiser ou na hora em que for dormir, a mãe lê para você. Agora pode abrir e olhar os livros. Só não pode desenhar ou rabiscar.”

Que alegria era aquele momento de abrir as caixas junto com minha mãe. O sorriso só não passava do rosto porque não dava para ir além. Eu ficava horas folheando até o momento mais especial: a leitura das histórias. Um pouco antes do horário de dormir, minha mãe me colocava para deitar, me cobria, punha uma cadeira perto da cama, se sentava ao meu lado e começava a ler para mim as histórias de uma das bonitas coleções que eu ganhara. E, de vez em quando, ela dava uma olhadinha para o meu rosto para ver se eu já estava dormindo. Mas eu não era boba, ficava de olhos bem abertos e atentos para escutar o que ia acontecer. Só pegava no sono quando ela terminava.

Escrevendo agora sobre isso, me dei conta de que os livros daquela coleção não tinham imagens. Assim, ao ouvir a leitura que minha mãe fazia, eu ficava imaginando os personagens, os cenários, as roupas. Era tão divertido! Boas noites foram aquelas em que várias histórias vinham me visitar através da figura da minha mãe.

Apesar de gostar de todas as histórias que ela lia, lógico que tinha uma que era mais encantadora: João e Maria. Com ela meus olhos brilhavam e minha imaginação criava asas. Pensava em João e Maria bem arrumadinhos. Ele vestido de camisa branca de botão e bermudinha até o joelho com suspensório. Já Maria eu imaginava com um vestidinho de manga comprida, com sainha de prega, meias brancas dobradas e botinhas de cano curto. E a casinha então? Ai, aquela casinha era parecida com a casa da minha avó. Tinha fogão a lenha na cozinha, mesa e cadeiras limpinhas, tudo arrumado em seu lugar. E João e Maria foram prisioneiros nessa casinha... Só que minha avó não estava. Quem aparecia era uma velha feiticeira vestida com uma capa preta que tinha capuz que quase lhe tapava o rosto. Eu via João e Maria comendo todos os docinhos, chocolates, balas e pirulitos que eu conhecia de festas de aniversário.

Já que falei em minha avó, quero dizer que ela também contava histórias para mim. Só não lia porque era cega, mas isso não a impedia de contar de uma forma que me fazia sentir todas as emoções. O ritual de ouvir histórias contadas pela minha avó era um pouco diferente do ritual da minha mãe. Primeiro ela sentava na cama, depois penteava os longos cabelos grisalhos e só aí me colocava na cama para deitar. Então eu fazia a pergunta:

“Vó, a senhora pode contar aquela história de João e Maria?”

A resposta era sempre afirmativa, e nós duas deitávamos. Ela fechava os olhos, se concentrava e começava a contar. Sou capaz de escutá-la nesse exato momento:

“Em uma casinha branca bem longe, lá no alto do morro onde o vento cantava fazendo barulho na janela (uuuuuuuu), moravam João e Maria, o pai e a madrasta...”

Só havia um problema com a minha avó: cada vez que contava tinha de ser igual porque se ela mudasse alguma coisa eu logo interrompia:

“A senhora não falou esta parte deste jeito na outra vez que contou.”

Acho que agora, querida professora, deu para você perceber que recordações escolhi para dividir com você e, mais do que isso, o principal assunto desta carta: a importância da leitura que realizamos para os nosso alunos.

Quando minha mãe lia para mim, ela era uma leitora que colocava seus gestos, sua arte, seu prazer e, acima de tudo, sua responsabilidade. Que responsabilidade? A de me fazer amar os livros.

E vovó também. Apesar de não poder ler, ela já havia ouvido leitores entusiasmados falando com vozes hesitantes, surpresas, ameaçadoras, gentis. Soube guardar tudo na memória para me oferecer como herança.

Hoje em dia, lendo um livro chamado Uma história da leitura, de Alberto Manguel, percebo muitas identificações entre minha mãe, minha avó e todos os leitores apaixonados que o livro apresenta. Um exemplo disso é uma foto do escritor Jorge Luís Borges: no final de sua vida, já cego, ele fechou os olhos para ouvir um texto que estava sendo declamado. Impossível não lembrar de minha avó, também cega, fechando os olhos para, talvez como ele, enxergar as palavras por dentro.

Fico agora pensando em você que me lê. Você teve alguém que leu para você e com isso povoou sua vida com histórias? Tomara que sim.

Entendo que a leitura é um dos jeitos mais prazerosos de adquirir conhecimento, já que ela possibilita uma intimidade com as idéias e uma liberdade de construção de sentidos. Está tudo à disposição do leitor para ser lido, relido. O leitor pode escolher temas que lhe parecem mais interessantes, pode decidir em que partes interromper ou para quais partes voltar com o objetivo de se deliciar ou de buscar maior entendimento. Assim, a leitura foi sempre me ensinando a pensar, a conhecer pessoas diferentes (refiro-me tanto aos autores quanto aos personagens) e a interagir com ela de maneiras diversas.

Na sala de aula, o mais importante é garantir o interesse e o entusiasmo dos alunos, para que seja possível construir com eles, aos poucos, a escuta atenta e compreensiva dos textos – narrativos, informativos, poéticos etc. Para isso, devemos ter cuidado tanto com a regularidade quanto com a qualidade da leitura. Essa é uma descoberta recente para mim, já que não iniciei minha vida profissional sabendo disso. Hoje, por exemplo, leio todos os dias para os alunos e procuro, além de ensaiar a leitura em casa, escolher bons textos, sejam eles literários, de autores interessantes, ou informativos. Mas, nas atividades de leitura que realizava em minha sala de aula, até há pouco tempo não tomava tantos cuidados.


De que forma eu tratava a leitura?

Escolhia livros curtos, com textos resumidos ou simplificados e com muitas figuras grandes e bem coloridas, porque imaginava que as crianças não se interessariam por histórias longas (achava que poderiam se cansar e que, na verdade, gostavam mais das ilustrações mesmo). É uma pena o quanto, muitas vezes, os professores se esquecem de que um dia também foram crianças. Por que digo isso?

Porque comecei essa carta contando que eu mesma adorava João e Maria e que a versão que me era lida nem figuras tinha.

Com relação ao conteúdo do texto, era comum escolher livros que contivessem lições de moral para chamar a atenção dos alunos em função de alguma atitude deles com a qual eu não estivesse de acordo. Penso agora: com tantas histórias lindas no mundo, que chato deve ter sido escutar “sermões”.

Quanto ao tempo dedicado à leitura, não havia regularidade na rotina. A leitura entrava para preencher um espaço vago ou para acalmar os alunos. E depois eu reclamava que as crianças não tinham postura de ouvintes...

Mesmo não escolhendo textos mais complexos, às vezes apareciam palavras difíceis. O que eu fazia então. Não as lia. Trocava por sinônimos ou explicava da minha maneira, sem utilizar as palavras do autor. Com isso imaginava facilitar a imaginação deles. O que eu não sabia era que os estava impedindo de fazer o que os leitores verdadeiros fazem – procurar entender pelo contexto ou, se for uma palavra realmente importante que não dê para compreender pelo contexto, buscar um dicionário.

Para finalizar, após as leituras, em vez de conversar com os alunos (trocando idéias, sentimentos, opiniões, dúvidas que o texto gerou, ou até mesmo estabelecendo relações com outros textos), tomava a leitura para ver se eles realmente haviam prestado atenção. Perdi com isso a chance de ouvir comentários maravilhosos que as crianças sabem fazer.

Hoje sei que posso apresentar tudo – contos, notícias, cartas, regulamentos, gibis, receitas, bulas, enciclopédias, biografias, cartazes, panfletos etc. -, desde que selecione e leia de acordo com finalidades reais. Na vida, como na escola, pode-se ler para: se informar, se entreter, se emocionar, fugir da realidade (que para algumas crianças às vezes é muito difícil), encontrar dados, seguir instruções, compreender melhor algum aspecto do mundo, buscar argumentos para defender ou rebater idéias, conhecer modos de vida distintos, identificar-se com autores e personagens, conhecer outras histórias, descobrir novas formas de se utilizar a linguagem para criar novos sentidos – e assim por diante.

Também pude perceber que não existe idade exata para o aprendizado da leitura. O professor pode ser um modelo leitor para as crianças, jovens e adultos, desde que garanta as condições necessárias para que o aluno veja sentido no quê, no como, no porquê e no para quê está lendo. Meus alunos pequenos, hoje em dia, ao apresentarem uma leitura para os colegas (leitura que pode ou não ser convencional), sempre se preparam antes. Percebo, que ao ler, eles se mostram interessados e atentos ao ritmo, à entonação, ao conteúdo do texto, ou seja, procuram repetir um modelo que lhes é conhecido e com isso também garantem a atenção dos ouvintes.

Mas, querido leitor, a transformação da minha concepção sobre leitura não aconteceu do dia para noite, nem foi sem resistência e alguns conflitos. Os e-mails que recebi em 2002 (formação na modalidade a distância), as visitas e supervisões das minhas formadoras, as reuniões de estudo, as leituras que me foram indicadas, os e-mails que tive de escrever, as orientações para as atividades em sala de aula etc..., me fizeram ampliar as idéias que tinha sobre leitura e também recuperar o significado que isso teve para mim na infância. Tive de refletir sobre minha prática e, assim, encontrar caminhos para trabalhar a minha leitura em sala de aula de um modo mais satisfatório e significativo para mim e, principalmente para meus alunos. E esse não é um processo terminado. Aliás, esse processo não termina nunca!!


TEXTO 2


Aprender a linguagem que se escreve

Equipe pedagógica do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores

Ao lidar com a língua escrita, seja lendo ou escrevendo, toma-se
consciência de duas coisas simultaneamente: do mundo e da linguagem.
A língua serve exatamente para isso: para o discurso sobre o mundo.
David R. Olson[2]

Quando nos referimos a situações de aprendizagem cujo conteúdo é a linguagem que se escreve, estamos falando de situações nas quais os alunos possam não só perceber que o texto escrito tem características particulares, que o diferenciam do texto oral, como também produzir textos usando a linguagem escrita. Mesmo os alunos que ainda não sabem ler nem escrever. Portanto, nosso desafio é pensar em quais seriam as melhores situações para que isso aconteça.

O papel da leitura no desenvolvimento da capacidade de produzir textos

Como podem as crianças desenvolver a idéia de que a linguagem
falada e escrita não são a mesma coisa? Só pode haver uma resposta:
escutando linguagem escrita lida em voz alta.
Frank Smith[3]

A leitura tem um papel fundamental no desenvolvimento da capacidade de produzir textos escritos, pois por meio dela os alunos entram em contato com toda a riqueza e a complexidade da linguagem escrita. É também a leitura que contribui para ampliar a visão de mundo, estimular o desejo de outras leituras, exercitar a fantasia e a imaginação, compreender o funcionamento comunicativo da escrita, compreender a relação entre a fala e a escrita, desenvolver estratégias de leitura, ampliar a familiaridade com os textos, ampliar o repertório textual e de conteúdos para a produção dos próprios textos, conhecer as especificidades dos diferentes tipos de texto, favorecer a aprendizagem das convenções da escrita… só para citar algumas possibilidades.
A leitura compartilhada tem sido uma das estratégias mais eficientes para aproximar os alunos do mundo letrado, mesmo quando ainda não sabem ler. E a experiência tem mostrado que essa prática – muito importante para o desenvolvimento da capacidade de produzir textos – pode ser facilmente incorporada à rotina diária do professor, qualquer que seja a idade e a condição social dos alunos.
Quando os alunos ainda não sabem ler, é o professor quem realiza as leituras, emprestando sua voz ao texto. Enquanto escutam leituras de contos, histórias, poemas etc. os alunos se iniciam como “leitores” de textos literários. Mas é preciso nunca esquecer que ler é diferente de contar. Ao ler uma história o professor deve fazê-lo sem simplificá-la, sem substituir termos que considera difíceis. Não é porque a linguagem é mais elaborada que o texto se torna incompreensível. É justamente o contato com a linguagem escrita como ela é que vai fazendo com que ela se torne mais acessível.
Ao escolher o livro, é importante que o professor considere a faixa etária de seu grupo e avalie a qualidade literária da obra – ou seja, se apresenta uma história envolvente, provida de nó dramático, de vocabulário complexo, de dilemas, conflitos, de encantamento, humor, surpresas, enfim, provida dos elementos que há milhares de anos prendem a atenção dos ouvintes ou leitores. Da mesma forma, é interessante evitar os livros que apresentam histórias moralizantes, com tramas insípidas, com vocabulário simplificado, reduzido. Esses livros não ajudam os alunos a estabelecer uma relação mais profunda com a literatura, não permitem que eles apreciem uma narrativa complexa e vivenciem as surpresas da linguagem metafórica, enfim, eles não convocam, não apaixonam.

Os recontos e as reescritas

É ouvindo contos que os alunos vão desde muito cedo se apropriando da estrutura da narrativa, das regras que organizam esse tipo particular de discurso. E é esse conhecimento que lhes possibilita compreender outras narrativas, recontá-las e reescrevê-las.
A reescrita é uma atividade de produção textual com apoio,[4] é a escrita de uma história cujo enredo é conhecido e cuja referência é um texto escrito. Quando os alunos aprendem o enredo, junto vem também a forma, a linguagem que se usa para escrever, diferente da que se usa para falar. A reescrita é a produção de mais uma versão,[5] e não a reprodução idêntica. Não é condição para uma atividade de reescrita – e nem é desejável – que o aluno memorize o texto. Para reescrever não é necessário decorar: o que queremos desenvolver não é a memória mas a capacidade de produzir um texto em linguagem escrita. O conto tradicional funciona como uma espécie de matriz para a escrita de narrativas. Ao realizar um reconto, os alunos recuperam os acontecimentos da narrativa, utilizando, freqüentemente, elementos da linguagem que se usa para escrever. O mesmo acontece com as reescritas, pois ao reescrever uma história, um conto, os alunos precisam coordenar uma série de tarefas: eles precisam recuperar os acontecimentos, utilizar a linguagem que se escreve, organizar junto com os colegas o que querem escrever, controlar o que já foi escrito e o que falta escrever. Ao realizar essas tarefas os alunos estarão aprendendo sobre o processo de composição de um texto escrito.

Os gêneros…

O conhecimento da linguagem que se escreve não se constitui só de narrativas. Os textos que existem no mundo têm diferentes formas, pertencem a diferentes gêneros que se constituem a partir do uso, e também é por meio do uso que são aprendidos.
Muito antes de saber ler e escrever convencionalmente, as crianças são capazes de reconhecer diferentes organizações discursivas: por exemplo, jamais confundiriam um conto com uma carta. Mas, para isso, é necessária a experiência com textos escritos. O que só é possível se alguém ler para elas. É a partir dessas leituras que os alunos vão se familiarizando com os diferentes gêneros, mesmo sem saber descrevê-los ou defini-los. Não há dificuldade em diferenciar um conto de fadas de uma carta, um bilhete ou uma receita. Isso é simples, tanto para os alunos que já aprenderam a ler como para os alunos que ainda não compreenderam o funcionamento do sistema de escrita. Para ditar uma carta, ou um conto, o conhecimento necessário é sobre as características formais desse gênero, independente de aquele que dita estar ou não alfabetizado.


Falando de alguns deles…[6]

Um portador de grande variedade de textos com diferentes graus de complexidade é o jornal. Apesar de ser produzido para a leitura adulta, é um excelente material para aprender a ler, porque, entre outras coisas, tem o poder de trazer o mundo e os textos sobre o mundo para dentro da escola, além de ser um material barato e de fácil acesso.
Os bilhetes, por exemplo, são textos muito usados na vida social. Na vida escolar não é diferente. A escrita de bilhetes é uma prática recorrente nas salas de aula; são utilizados para trocar informações entre professores, entre classes, entre professores e pais, e também podem ser articulados com a produção de texto ficcional, como fez a professora Márcia quando propôs que os alunos escrevessem um bilhete para o personagem Renato, do livro As bruxas, avisando que a bruxa estava por perto.
Vimos também, na classe da professora Clélia, um grupo de crianças escrevendo as regras para a brincadeira pula-elástico: um texto instrucional. Esse tipo de texto, que tem como característica orientar as ações do leitor, é muito utilizado na vida cotidiana: para cozinhar seguindo uma receita, para montar um móvel, para manusear eletrodomésticos, para aprender um jogo etc.
A compreensão atual da relação entre a aquisição das capacidades de redigir e de grafar rompe com a crença arraigada de que o domínio do bê-á-bá seja pré-requisito para o início do ensino da língua escrita, e nos mostra que esses dois processos de aprendizagem podem e devem ocorrer de forma simultânea. É que eles dizem respeito à aprendizagem de conhecimentos de naturezas distintas. A capacidade de grafar depende da compreensão do funcionamento do sistema de escrita, que em português é alfabético. Já a capacidade de redigir depende da possibilidade de dispor de um repertório de textos conhecidos, de referências intertextuais,[7] e se refere à aprendizagem da linguagem que se usa para escrever. É importante que o professor tenha claro que tão importante quanto aprender a escrever/grafar é aprender a escrever/redigir, isto é, aprender a produzir textos. E, para isso, é preciso aprender este outro tipo de linguagem: a linguagem escrita.

[1] Cedac – Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária -, E-mails pedagógicos. – São Paulo, 2004, pág 109 a 111.
[2] O mundo no papel. São Paulo, Ática, 1997.

[3] Leitura significativa . Porto Alegre, Artmed, 1999.

[4] Ver Parâmetros Curriculares Nacionais (1º e 2º ciclos) Língua Portuguesa. Brasília, MEC/SEF, 1997, p. 74.

4 Os contos tradicionais, por exemplo, costumam ter várias versões.

[6] Os gêneros são mais detalhadamente explicados no texto “Linguagem, atividade discursiva e textualidade”. Parâmetros
Curriculares Nacionais (1º e 2º ciclos) Língua Portuguesa. Brasília, MEC/SEF, 1997, pp. 23-27.

[7] Ver Parâmetros Curriculares Nacionais (1º e 2º ciclos) Língua Portuguesa. Brasília, MEC/SEF, 1997, p. 26.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

III-Fórum Regional de Colinas do Tocantins-DRE







































-Fórum Regional de Colinas do Tocantins-DRE
Os Clássicos da Literatura Infantil: um mergulho no caldeirão da imaginação.
Data: 18 de setembro de 2008.
Horário:14h

Eliziane e Elzilene
Pauta
Boas-विndas
14h - Apresentação do trecho do clássico universal – Alice no País das Maravilhas.
14h15min Considerações teóricas
· A origem e conceito dos clássicos literários infantis;
· Os clássicos na sala de aula;
· Clássicos literários: vidas e obras
14h50min- Leitura em Voz alta pela formadora: Os músicos de Bremem dos Irmãos Grimm
15h- Relato de uma experiência da professora Francisca com a Literatura Infantil ( socialização e comentário)
15h20mim- Intervalo – 20 min
15h30min-Dinâmica Leitura dramatizada
15h 40min-Cantinhos de leitura e critérios de escolha
16h - Atividades práticas com os clássicos infantis
17h - Apresentação dos grupos
17h30min- Relato de uma experiência da professora Márcia com a Literatura Infantil ( socialização e comentários)
18h Avaliação e encerramento
SUGESTÕES DE ATIVIDADES
A autêntica literatura infantil não deve ser feita somente com intenção pedagógica, didática ou para incentivar hábito de leitura. Além dos textos contidos no livro didático dos alunos, o professor deve fazer a leitura em voz alta e motivá-los para a leitura de livros. Assim o poder de cativar esse público tão exigente e importante aparece no decorrer das atividades lúdicas, dinâmicas e criativas, as quais constroem sentidos e significados. Portanto, o grande segredo é trabalhar o imaginário e a fantasia.
1. Dramatização da história, utilizando todos os recursos cênicos disponíveis: caracterização dos personagens;
2. Montagem com sucata de personagem ou ambientes da história;
3. Recortes e colagens para a montagem da história;
4. Criação de textos inspirados na história;
5. Produção de jornal falado, transformando em notícias os episódios do livro, incluindo propaganda ou mensagens condizentes com a história;
6. Confecção de desenhos, murais, cartazes, etc;
7. Pesquisa sobre autor, escritor ou personagens citadas na historia;
8. Pesquisa sobre assuntos abordados na obra (meio ambiente, arte, afetividade, relação interpessoais, adolescência, amor, drogas, cultura regional, mitologia, esporte e outras).
9. Carta para o autor do livro ( real ou fictícia), com auto-retrato dos alunos e seus comentários sobre a obra.
10. Carta para um personagem do livro (professor escriba).
11. Debate sobre algum assunto importante abordado na obra.
12. Criação de slogan a partir do tema do livro.
13. Montagem de peça teatral com fantoches.
14. Mímica
15. Monólogo
16. Produção de jornal escrito, com suas seções características ( editorial, política, economia, notícias, classificados, lazer, esporte, coluna social. etc.)
17. Cartaz de propaganda do livro para ser afixado na biblioteca da escola.
18. Realização de trabalhos escritos em que os alunos manifestem suas impressões sobre a obra.
19. Confecção de maquetes a partir da descrição dos cenários dos textos.
20. Análise comparativa de duas obras similares em alguns aspectos.
21. Criação de músicas (letra e melodia), se inspirado no assunto da obra.
22. Criação de personagens da história com massa de modelar.
Essas atividades podem ser aplicadas alternadamente ou mesmo relacionadas em conjunto, no quadro, para que os alunos as selecionem conforme seus interesses e aptidões. E a avaliação poderá ser feita pelo professor ou pelos próprios alunos.
Fica então a metáfora traduzida por Sherazade:
“A liberdade se conquista com o exercício da criatividade”.

Boa Oficina!!!!!
Com carinho e admiração...
Oficineiras: Eliziane de Paula e Elzilene Pessoa

Contos de Grimm
Irmãos Grimm
Querida Elzinha,
Vinte e cinco anos e ainda continuamos a lecionar! Amor e labor! Aliás, estou te escrevendo pra contar algumas peripécias da aula de leitura de leitura de um 4º ano que peguei este ano. Fãs de carteirinha, eu e eles, dos contos de fadas, escolhemos ler os Contos de Grimm. A escolha não foi sem motivo, pois, como dizia Francisco Aurélio Ribeiro, nosso mestre do magistério: “Esses contos há quase duzentos anos encantam crianças, jovens e adultos com suas histórias menos moralistas que as fábulas, mas que cativam pelo imaginário de um mundo em que os fracos vencem, os bons são premiados e os maus castigados. Se na realidade isso não ocorre, não são as historias que estão erradas, mas o mundo em que vivemos”. Sabe, Elza, acho que o grande sucesso dos contos é exatamente esse lado de apresentar um mundo mágico, no qual, infelizmente, as coisas dão certo. Vou te contar como li algumas das histórias deste livro.
Selecionei O pobre e o rico, Os músicos de Bremen e Pequeno polegar. Iniciei uma jornada de leituras que duraram três dias (um dia pra cada história). Reservava um tempo da aula pra leitura oral dos textos, feita por mim. daquele jeito que a gente aprendeu no Curso normal, com bastante entonação e emoção! No meio da leitura, ia fazendo pequenas paradas e perguntava o que estava acontecendo nos momentos importantes das histórias.
Depois pedi a eles que separassem a história em três momentos – início, meio e fim – e verificassem como os heróis da história ficavam em cada um deles. Com um pouco de ajuda, logo eles percebiam um primeiro momento positivo, no qual tudo estava bem; logo depois, um momento negativo, no qual as coisas se tornavam complicadas para o herói e, no final, um momento ainda melhor que o primeiro, no qual o herói terminava, de alguma forma, premiado. Como sempre, fui à lousa e esquematizei tudo isso pra eles.
Terminados os três dias, pedi, no 4º dia, que os alunos relembrassem as três histórias e então questionei a razão de os personagens terem superado suas dificuldades no final da história. Não foi difícil que eles chegassem à conclusão de isso tinha acontecido por causa das qualidades desses personagens (inteligência, astúcia, bondade). Além disso, ficou bem claro pra eles a diferença entre esses personagens e seus opositores.
Foi muito legal essa experiência e acho muito em falta que as histórias falaram às crianças sobre sentimentos que estão hoje em dia. Li esses contos com eles como leio as histórias que escolho pra eu ler: vendo sempre o que podemos aprender com elas. Assim, as aulas de leitura são um bom caminho pra gente cumprir nossa missão de professora, você não acha?
Um abraço com muita saudade,
Francisca.





Contos de Perrault
( Tradução de Regina Régis Junqueira)

Minha cara amiga Flávia,
Lembra do tio Januário, que contava história para a molecada do nosso bairro, naquela época em que acreditávamos em bruxas e fadas? Tenho pensado tanto nele ultimamente! É que estou realizando atividades com meus alunos a partir da leitura dos Contos de Perrault, traduzidos por Regina Régis Junqueira, e o reencontro com Cinderela, Barba-Azul e Chapeuzinho Vermelho me fez recordar com saudade a nossa infância.
Confesso que desprezava os velhos contos de fadas por achar que eram antiquados, ou que as crianças não teriam interesse por eles. Mas comecei a perder o preconceito – essa é a palavra! – ao ler um artigo de Wanda Medrado Abrantes. Ela afirma, sobre Perrault, que “é o caráter simbólicos de suas histórias que tanto agrada o leitor, na medida em que aborda os sentimentos e os conflitos das crianças (rejeição, injustiça, vaidade, inveja), transfigurando essa s situações reais para o imaginário”. Outro artigo, de Rosa Cuba Riche, terminou por me convencer de vez a adotar o livro. Rosa informa que “as narrativas em prosa, graças à estrutura do enredo, aos temas e à linguagem clara e direta, conquistaram adultos e crianças de todo o mundo e circularam na França rotuladas de Contos de Fadas, nome que os franceses usam para indicar Contos Maravilhosos”. Percebi que, se essas histórias de origem popular têm conquistado as pessoas há tantos anos, é porque são realmente especiais. E seu caráter simbólico as torna sempre atuais.
Pude comprovar o quanto isso é verdade, ao ler os Contos de Perrault para meus alunos. Ia lendo aos poucos, fazendo suspense, deixando o final para o dia seguinte... acredita que, mesmo quando a história era superconhecida, como Cinderela, eles ficavam ansiosos para ouvir o final? Foi uma delícia. Partiu deles a comparação dos contos de Perrault com versões mais atuais, como as da Disney. Aproveitei o ensaio sobre a vida e a obra do autor, que vem no livro, para explicar a elas a origem dos contos de fadas. Depois fizemos um exercício em que as crianças, em grupos, criavam continuações para as histórias. O resultado foi tão surpreendente que só posso lhe uma coisa: pelo visto, o velho Perrault vai estar muito presente nesse século XXI.

Beijos,
Márcia.









domingo, 9 de novembro de 2008

Gifs - Flash - Fotos e Videos Para seu Orkut
Gifs, Flash e vídeos para seu Orkut = www.GifsRecados.com.br

Os Setes Saberes Necessários à Educação


Os sete saberes necessários à educação do futuro
Edgar Morin Publicado no Boletim da SEMTEC-MEC Informativo Eletrônico da Secretaria de Educação Média e Tecnológica – Ano 1 – Número 4 – junho/julho de 2000

Introdução
Os sete saberes necessários à educação do futuro não têm nenhum programa educativo, escolar ou universitário. Aliás, não estão concentrados no primário, nem no secundário, nem no ensino universitário, mas abordam problemas específicos para cada um desses níveis. Eles dizem respeito aos setes buracos negros da educação, completamente ignorados, subestimados ou fragmentados nos programas educativos. Programas esses que, na minha opinião, devem ser colocados no centro das preocupações sobre a formação dos jovens, futuros cidadãos.
O Conhecimento
O primeiro buraco negro diz respeito ao conhecimento. Naturalmente, o ensino fornece conhecimento, fornece saberes. Porém, apesar de sua fundamental importância, nunca se ensina o que é, de fato, o conhecimento. E sabemos que os maiores problemas neste caso são o erro e a ilusão.
Ao examinarmos as crenças do passado, concluímos que a maioria contém erros e ilusões. Mesmo quando pensamos em vinte anos atrás, podemos constatar como erramos e nos iludimos sobre o mundo e a realidade. E por que isso é tão importante? Porque o conhecimento nunca é um reflexo ou espelho da realidade. O conhecimento é sempre uma tradução, seguida de uma reconstrução. Mesmo no fenômeno da percepção, através do qual os olhos recebem estímulos luminosos que são transformados, decodificados, transportados a um outro código, que transita pelo nervo ótico, atravessa várias partes do cérebro para, enfim, transformar aquela informação primeira em percepção. A partir deste exemplo, podemos concluir que a percepção é uma reconstrução.
Tomemos um outro exemplo de percepção constante: a imagem do ponto de vista da retina. As pessoas que estão próximas parecem muito maiores do que aquelas que estão mais distantes, pois à distância, o cérebro não realiza o registro e termina por atribuir uma dimensão idêntica para todas as pessoas. Assim como os raios ultravioletas e infravermelhos que nós não vemos, mas
sabemos que estão aí e nos impõem uma visão segundo as suas incidências. Portanto, temos percepções, ou seja, reconstruções, traduções da realidade. E toda tradução comporta o risco de erro. Como dizem os italianos "tradotore/traditore".
Também sabemos que não há nenhuma diferença intrínseca entre uma percepção e uma alucinação. Por exemplo: se tenho uma alucinação e vejo Napoleão ou Júlio César, não há nada que me diga que estou enganado, exceto o fato de saber que eles estão mortos. São os outros que vão me dizer se o que vejo é verdade ou não. Quero dizer com isso que estamos sempre ameaçados pela alucinação. Até nos processos de leitura isto acontece. Nós sabemos que não seguimos a linha do que está escrito, pois, às vezes, nossos olhos saltam de uma palavra para outra e reconstróem o conjunto de uma maneira quase alucinatória. Neste momento, é o nosso espírito que colabora com o que nós lemos. E não reconhecemos os erros porque deslizamos neles. O mesmo acontece, por exemplo, quando há um acidente de carro. As versões e as visões do acidente são completamente diferentes, principalmente pela emoção e pelo fato das pessoas estarem em ângulos diferentes.
No plano histórico há erros, se me permitem o jogo de palavras, histéricos. Tomemos um exemplo um pouco distante de nós: os debates sobre a Primeira Guerra Mundial.Uma época em que a França e a Alemanha tinham partidos socialistas fortes, potentes e muito pacifistas, e que, evidentemente, eram contrários à guerra que se anunciava. Mas, a partir do momento em que se desencadeou a guerra, os dois partidos se lançaram, massivamente a uma campanha de propaganda, cada um imputando ao outro os atos mais ignóbeis. Isto durou até o fim da guerra. Hoje, podemos constatar com os eventos trágicos do Oriente Médio a mesma maneira de tratar a informação. Cada um prefere camuflar a parte que lhe é desvantajosa para colocar em relevo a parte criminosa do outro.
Este problema se apresenta de uma maneira perceptível e muito evidente, porque as traduções e as reconstruções são também um risco de erro e muitas vezes o maior erro é pensar que a idéia é a realidade. E tomar a idéia como algo real é confundir o mapa com o terreno.
Outras causas de erro são as diferenças culturais, sociais e de origem. Cada um pensa que suas idéias são as mais evidentes e esse pensamento leva a idéias normativas. Aquelas que não estão dentro desta norma, que não são consideradas normais, são julgadas como um desvio patológico e são taxadas como ridículas. Isso não ocorre somente no domínio das grandes religiões ou das ideologias políticas, mas também das ciências. Quando Watson e Crick decodificaram a estrutura do código genético, o DNA (ácido desoxirribonucléico), surpreenderam e escandalizaram a maioria dos biólogos, que jamais imaginavam que isto poderia ser transcrito em moléculas químicas. Foi preciso muito tempo para que essas idéias pudessem ser aceitas.
Na realidade, as idéias adquirem consistência como os deuses nas religiões. É algo que nos envolve e nos domina a ponto de nos levar a matar ou morrer. Lenin dizia: "os fatos são teimosos, mas, na realidade, as idéias são ainda mais teimosas do que os fatos e resistem aos fatos durante muito tempo". Portanto, o problema do conhecimento não deve ser um problema restrito aos filósofos. É um problema de todos e cada um deve levá-lo em conta desde muito cedo e explorar as possibilidades de erro para ter condições de ver a realidade, porque não existe receita milagrosa.
O Conhecimento Pertinente
O segundo buraco negro é que não ensinamos as condições de um conhecimento pertinente, isto é, de um conhecimento que não mutila o seu objeto. Nós seguimos, em primeiro lugar, um mundo formado pelo ensino disciplinar. É evidente que as disciplinas de toda ordem ajudaram o avanço do conhecimento e são insubstituíveis. O que existe entre as disciplinas é invisível e as conexões entre elas também são invisíveis. Mas isto não significa que seja necessário conhecer somente uma parte da realidade. É preciso ter uma visão capaz de situar o conjunto. É necessário dizer que não é a quantidade de informações, nem a sofisticação em Matemática que podem dar sozinhas um conhecimento pertinente, mas sim a capacidade de colocar o conhecimento no contexto.
A economia, que é das ciências humanas, a mais avançada, a mais sofisticada, tem um poder muito fraco e erra muitas vezes nas suas previsões, porque está ensinando de modo a privilegiar o cálculo. Com isso, acaba esquecendo os aspectos humanos, como o sentimento, a paixão, o desejo, o temor, o medo. Quando há um problema na bolsa, quando as ações despencam, aparece um fator totalmente irracional que é o pânico, e que, freqüentemente, faz com que o fator econômico tenha a ver com o humano, ligando-se, assim, à sociedade, à psicologia, à mitologia. Essa realidade social é multidimensional e o econômico é apenas uma dimensão dessa sociedade. Por isso, é necessário contextualizar todos os dados.
Se não houver, por exemplo, a contextualização dos conhecimentos históricos e geográficos, cada vez que aparecer um acontecimento novo que nos fizer descobrir uma região desconhecida, como o Kosovo, o Timor ou a Serra Leoa, não entenderemos nada. Portanto, o ensino por disciplina, fragmentado e dividido, impede a capacidade natural que o espírito tem de contextualizar. E é essa capacidade que deve ser estimulada e desenvolvida pelo ensino, a de ligar as partes ao todo e o todo às partes. Pascal dizia, já no século XVII: "não se pode conhecer as partes sem conhecer o todo, nem conhecer o todo sem conhecer as partes".
O contexto tem necessidade, ele mesmo, de seu próprio contexto. E o conhecimento, atualmente, deve se referir ao global. Os acidentes locais têm repercussão sobre o conjunto e as ações do conjunto sobre os acidentes locais. Isso foi comprovado depois da guerra do Iraque, da guerra da Iugoslávia e, atualmente, pode ser verificado com o conflito do Oriente Médio.
A Identidade Humana
O terceiro aspecto é a identidade humana. É curioso que nossa identidade seja completamente ignorada pelos programas de instrução. Podemos perceber alguns aspectos do homem biológico em Biologia, alguns aspectos psicológicos em Psicologia, mas a realidade humana é indecifrável. Somos indivíduos de uma sociedade e fazemos parte de uma espécie. Mas, ao mesmo tempo em que fazemos parte de uma sociedade, temos a sociedade como parte de nós, pois desde o nosso nascimento a cultura nos imprime. Nós somos de uma espécie, mas ao mesmo tempo a espécie é em nós e depende de nós. Se nos recusamos a nos relacionar sexualmente com um parceiro de outro sexo, acabamos com a espécie. Portanto, o relacionamento entre indivíduo-sociedade-espécie é como a trindade divina, um dos termos gera o outro e um se encontra no outro. A realidade humana é trinitária.
Eu acredito ser possível a convergência entre todas as ciências e a identidade humana. Um certo número de agrupamentos disciplinares vai favorecer esta convergência. É necessário reconhecer que, na segunda metade do século XX, houve uma revolução científica, reagrupando as disciplinas em ciências pluridisciplinares. Assim, há a cosmologia, as ciências da terra, a ecologia e a pré-história.
Por outro lado, as ciências da terra nos inscrevem neste planeta formado por fragmentos cósmicos, resultados de uma explosão de sóis anteriores. Resta saber como estes fragmentos reunidos e aglomerados puderam criar uma tal organização, uma auto-organização, para nos dar este planeta. É necessário mostrar que ele gerou a vida, e a nós somos, filhos da vida. A biologia, com a teoria da evolução, nos prova como trazemos dentro de nós, efetivamente, o processo de desenvolvimento da primeira célula vivente, que se multiplicou e se diversificou.
Quando sonhamos com nossa identidade, devemos pensar que temos partículas que nasceram no despertar do universo. Temos átomos de carbono que se formaram em sóis anteriores ao nosso, pelo encontro de três núcleos de hélio que se constituíram em moléculas e neuromoléculas na terra. Somos todos filhos do cosmos, mas nos transformamos em estranhos através de nosso conhecimento e de nossa cultura. Portanto, é preciso ensinar a unidade dos três destinos, porque somos indivíduos, mas como indivíduos somos, cada um, um fragmento da sociedade e da espécie Homo sapiens, à qual pertencemos.
E o importante é que somos uma parte da sociedade, uma parte da espécie, seres desenvolvidos sem os quais a sociedade não existe. A sociedade só vive com essas interações.
É importante, também, mostrar que, ao mesmo tempo em que o ser humano é múltiplo, ele é parte de uma unidade. Sua estrutura mental faz parte da complexidade humana. Portanto, ou vemos a unidade do gênero e esquecemos a diversidade das culturas e dos indivíduos, ou vemos a diversidade das culturas e não vemos a unidade do ser humano. Esse problema vem causando polêmicas desde o século XVIII, quando Voltaire disse: "os chineses são iguais a nós, têm paixões, choram". E Herbart, o pensador alemão, afirmou: "entre uma cultura e outra não há comunicação, os seres são diferentes". Os dois tinham razão, mas na realidade essas duas verdades têm que ser articuladas. Nós temos os elementos genéticos da nossa diversidade e, é claro, os elementos culturais da nossa diversidade.
É preciso lembrar que rir, chorar, sorrir, não são atos aprendidos ao longo da educação, são inatos, mas modulados de acordo com a educação. Heigerfeld fez uma observação sobre uma jovem surda-muda de nascença que ria, chorava e sorria. Atualmente, estudos demonstram que o feto começa a sorrir no ventre da mãe. Talvez porque não saiba o que o espera depois... Mas isso nos permite entender a nossa realidade, nossa diversidade e singularidade.
Chegamos, então, ao ensino da literatura e da poesia. Elas não devem ser consideradas como secundárias e não essenciais. A literatura é para os adolescentes uma escola de vida e um meio para se adquirir conhecimentos. As ciências sociais vêem categorias e não indivíduos sujeitos a emoções, paixões e desejos. A literatura, ao contrário, como nos grandes romances de Tolstoi, aborda o meio social, o familiar, o histórico e o concreto das relações humanas com uma força extraordinária. Podemos dizer que as telenovelas também nos falam sobre problemas fundamentais do homem; o amor, a morte, a doença, o ciúme, a ambição, o dinheiro. Temos que entender que todos esses elementos são necessários para entender que a vida não é aprendida somente nas ciências formais. E a literatura tem a vantagem de refletir sobre a complexidade do ser humano e sobre a quantidade incrível de seus sonhos.
Podemos, então, compreender a complexidade humana através da literatura. A poesia nos ensina a qualidade poética da vida, essa qualidade que nós sentimos diante de fatos da realidade. Como, por exemplo, os espetáculos da natureza: o céu de Brasília que é tão bonito.
A vida não deve ser uma prosa que se faça por obrigação. A vida é viver poeticamente na paixão, no entusiasmo.
Para que isso aconteça, devemos fazer convergir todas as disciplinas conhecidas para a identidade e para a condição humana, ressaltando a noção de homo sapiens; o homem racional e fazedor de ferramentas, que é, ao mesmo tempo, louco e está entre o delírio e o equilíbrio, nesse mundo de paixões em que o amor é o cúmulo da loucura e da sabedoria.
O homem não se define somente pelo trabalho, mas também pelo jogo. Não só as crianças, como também os adultos gostam de jogar. Por isso vemos partidas de futebol. Nós somos Homo ludens, além de Homo economicus. Não vivemos só em função do interesse econômico. Há, também, o homo mitologicus, isto é, vivemos em função de mitos e crenças. Enfim o homem é prosaico e poético. Como dizia Hölderling: "O homem habita poeticamente na terra, mas também prosaicamente e se a prosa não existisse, não poderíamos desfrutar da poesia".
A Compreensão Humana
O quarto aspecto é sobre a compreensão humana. Nunca se ensina sobre como compreender uns aos outros, como compreender nossos vizinhos, nossos parentes, nossos pais. O que significa compreender?
A palavra compreender vem do latim, compreendere, que quer dizer: colocar junto todos os elementos de explicação, ou seja, não ter somente um elemento de explicação, mas diversos. Mas a compreensão humana vai além disso, porque, na realidade, ela comporta uma parte de empatia e identificação. O que faz com que se compreenda alguém que chora, por exemplo, não é analisar as lágrimas no microscópio, mas saber o significado da dor, da emoção. Por isso, é preciso compreender a compaixão, que significa sofrer junto. É isto que permite a verdadeira comunicação humana.
A grande inimiga da compreensão é a falta de preocupação em ensiná-la. Na realidade, isto está se agravando, já que o individualismo ganha um espaço cada vez maior. Estamos vivendo numa sociedade individualista, que favorece o sentido de responsabilidade individual, que desenvolve o egocentrismo, o egoísmo e que, consequentemente, alimenta a autojustificação e a rejeição ao próximo. A redução do outro, a visão unilateral e a falta de percepção sobre a complexidade humana são os grandes empecilhos da compreensão. Outro aspecto da incompreensão é a indiferença. E, por este lado, é interessante abordar o cinema, que os intelectuais tanto acusam de alienante. Na verdade, o cinema é uma arte que nos ensina a superar a indiferença, pois transforma em heróis os invisíveis sociais, ensinando-nos a vê-los por um outro prisma. Charlie Chaplin, por exemplo, sensibilizou platéias inteiras com o
personagem do vagabundo. Outro exemplo é Coppola, que popularizou os chefes da Máfia com "O Chefão". No teatro, temos a complexidade dos personagens de Shakspeare: reis, gangsters, assassinos e ditadores. No cinema, como na filosofia de Heráclito: "Despertados, eles dormem". Estamos adormecidos, apesar de despertos, pois diante da realidade tão complexa, mal percebemos o que se passa ao nosso redor.
Por isso, é importante este quarto ponto: compreender não só os outros como a si mesmo, a necessidade de se auto-examinar, de analisar a autojustificação, pois o mundo está cada vez mais devastado pela incompreensão, que é o câncer do relacionamento entre os seres humanos.
A Incerteza
O quinto aspecto é a incerteza. Apesar de, nas escolas, ensinar-se somente as certezas, como a gravitação de Newton e o eletromagnetismo, atualmente a ciência tem abandonado determinados elementos mecânicos para assimilar o jogo entre certeza e incerteza, da micro-física às ciências humanas. É necessário mostrar em todos os domínios, sobretudo na história, o surgimento do inesperado. Eurípides dizia no fim de três de suas tragédias que: "os deuses nos causam grandes surpresas, não é o esperado que chega e sim o inesperado que nos acontece". É a velha idéia de 2.500 anos, que nós esquecemos sempre.
As ciências mantêm diálogos entre dados hipotéticos e outros dados que parecem mais prováveis. Os processos físicos, assim como outros também, pressupõem variações que nos levam à desordem caótica ou à criação de uma nova organização, como nas teorias sobre a incerteza de Prigogine, baseadas nos exemplos dos turbilhões de Born. Analisando retroativamente a história da vida, constata-se que ela não foi linear, que não teve uma evolução de baixo para cima. A evolução segundo Darwin foi uma evolução composta de ramificações, a exemplo do mundo vegetal e o mundo animal. O homem vem de uma dessas ramificações e conseguiu chegar à consciência e à inteligência, mas não somos a meta da evolução, fazemos parte desse processo. A história da vida foi, na verdade, marcada por catástrofes.
As duas guerras mundiais destruíram muito na primeira metade do século XX. Três grandes impérios da época, por exemplo, o romano-otomano, o austro-húngaro e o soviético, desapareceram.
Isto nos demonstra a necessidade de ensinar o que chamamos de ecologia da ação: a atitude que se toma quando uma ação é desencadeada e escapa ao desejo e às intenções daquele que a provocou, desencadeando influências múltiplas que podem desviá-la até para o sentido oposto ao intencionado. A história humana está repleta de exemplos dessa natureza. O mais evidente no final do século XX foi o projeto político de Gorbatchev, que pretendeu reformar o sistema político da União Soviética, mas acabou provocando o começo de sua própria desagregação e implosão.
Assim tem acontecido em todas as etapas da história. O inesperado aconteceu e acontecerá, porque não temos futuro e não temos certeza nenhuma do futuro. As previsões não foram concretizadas, não existe determinismo do progresso. Os espíritos, portanto, têm que ser fortes e armados para enfrentarem essa incerteza e não se desencorajarem. Essa incerteza é uma incitação à coragem. A aventura humana não é previsível, mas o imprevisto não é totalmente desconhecido. Somente agora se admite que não se conhece o destino da aventura humana. É necessário tomar consciência de que as futuras decisões devem ser tomadas contando com o risco do erro e estabelecer estratégias que possam ser corrigidas no processo da ação, a partir dos imprevistos e das informações que se tem.
A Condição Planetária
O sexto aspecto é a condição planetária, sobretudo na era da globalização no século XX – que começou, na verdade no século XVI com a colonização da América e a interligação de toda a humanidade. Esse fenômeno que estamos vivendo hoje, em que tudo está conectado, é um outro aspecto que o ensino ainda não tocou, assim como o planeta e seus problemas, a aceleração histórica, a quantidade de informação que não conseguimos processar e organizar.
Este ponto é importante porque existe, neste momento, um destino comum para todos os seres humanos. O crescimento da ameaça letal se expande em vez de diminuir: a ameaça nuclear, a ameaça ecológica, a degradação da vida planetária. Ainda que haja uma tomada de consciência de todos esses problemas, ela é tímida e não conduziu ainda a nenhuma decisão efetiva. Por isso, faz-se urgente a construção de uma consciência planetária.
É necessária uma certa distância em relação ao imediato para podermos compreendê-lo. E, atualmente, dada a aceleração e a complexidade do mundo, é quase impossível. Mas, faz-se necessário ressaltar, é esta a dificuldade. É necessário ensinar que não é suficiente reduzir a um só a complexidade dos problemas importantes do planeta, como a demografia, ou a escassez de alimentos, ou a bomba atômica, ou a ecologia. Os problemas estão todos
amarrados uns aos outros. Daqui para frente, existem, sobretudo, os perigos de vida e morte para a humanidade, como a ameaça da arma nuclear, como a ameaça ecológica, como o desencadeamento dos nacionalismos acentuados pelas religiões. É preciso mostrar que a humanidade vive agora uma comunidade de destino comum.
A Antropo-ética
O último aspecto é o que vou chamar de antropo-ético, porque os problemas da moral e da ética diferem a depender da cultura e da natureza humana. Existe um aspecto individual, outro social e outro genético, diria de espécie. Algo como uma trindade em que as terminações são ligadas: a antropo-ética. Cabe ao ser humano desenvolver, ao mesmo tempo, a ética e a autonomia pessoal (as nossas responsabilidades pessoais), além de desenvolver a participação social (as responsabilidades sociais), ou seja, a nossa participação no gênero humano, pois compartilhamos um destino comum. A antropo-ética tem um lado social que não tem sentido se não for na democracia, porque a democracia permite uma relação indivíduo-sociedade e nela o cidadão deve se sentir solidário e responsável. A democracia permite aos cidadãos exercerem suas responsabilidades através do voto. Somente assim é possível fazer com que o poder circule, de forma que aquele que foi uma vez controlado, terá a chance de controlar. Porque a democracia é, por princípio, um exercício de controle.
Não existe, evidentemente, democracia absoluta. Ela é sempre incompleta. Mas sabemos que vivemos em uma época de regressão democrática, pois o poder tecnológico agrava cada vez mais os problemas econômicos. Na verdade, é importante orientar e guiar essa tomada de consciência social que leva à cidadania, para que o indivíduo possa exercer sua responsabilidade. Por outro lado, a ética do ser humano está se desenvolvendo através das associações não-governamentais, como os Médicos Sem Fronteiras, o Greenpeace, a Aliança pelo Mundo Solidário e tantas outras que trabalham acima de entidades religiosas, políticas ou de Estados nacionais, assistindo aos países ou às nações que estão sendo ameaçadas ou em graves conflitos. Devemos conscientizar a todos sobre essas causas tão importantes, pois estamos falando do destino da humanidade.
Seremos capazes de civilizar a terra e fazer com que ela se torne uma verdadeira pátria? Estes são os sete saberes necessários ao ensino. E não digo isso para modificar programas. Na minha opinião, não temos que destruir disciplinas, mas sim integrá-las, reuni-las em uma ciência como, por exemplo, as ciências da terra (a sismologia, a vulcanologia, a meteorologia), todas elas articuladas em uma concepção sistêmica da terra. Penso que tudo deva estar integrado para permitir uma mudança de pensamento; para que se transforme a concepção fragmentada e dividida do mundo, que impede a visão total da realidade. Essa visão fragmentada faz com que os problemas permaneçam invisíveis para muitos, principalmente para muitos governantes. E hoje que o planeta já está, ao mesmo tempo, unido e fragmentado, começa a se desenvolver uma ética do gênero humano, para que possamos superar esse estado de caos e começar, talvez, a civilizar a terra.
Edgard Morin é o pai da teoria da complexidade, explicada nos quatro livros da série O Método